Do nada, nada se cria
Se formos acordados no meio da noite pelo ruído de
um abajur derrubado no andar de baixo, qual será o primeiro pensamento
que nos virá à cabeça? "Há um ladrão na casa!", imaginaremos com um
sobressalto. A seguir, enquanto prendemos a respiração e aguçamos os
ouvidos para descobrir se os ruídos se repetem, a nossa mente buscará
ansiosamente alguma outra explicação: Será que deixamos a janela aberta e
o vento derrubou a lâmpada? Ou terá sido apenas o gato, nas suas
andanças noturnas? Ou então uma das crianças que se levantou, no meio da
noite, para buscar alguma coisa na cozinha?
Seja como for, por que sentimos essa necessidade de encontrar uma explicação
para o abajur derrubado? Por que não nos limitamos a dizer: “Nada
derrubou o abajur. Simplesmente aconteceu; isso é tudo”, nos viramos
para o lado e voltamos a dormir? Ora, a razão pela qual buscamos, a todo
o custo, uma explicação para o barulho é que somos pessoas
inteligentes, temos uma cabeça que raciocina e sabemos muito bem que
nada acontece sem uma causa. Isto é tão óbvio que não parece sequer
valer a pena mencioná-lo. “O que quer que aconteça tem de ter sido
causado por alguma outra coisa”; ou, para dizer o mesmo de uma maneira
um pouco mais técnica, “todo o efeito tem de ter uma causa
proporcionada”.
Ora, isto é tão evidente como o nariz no meio do nosso rosto. No entanto, existem pretensos filósofos que procuram negá-lo.
“Não podemos afirmar que seja assim em todos os casos”, dizem, “porque
não conhecemos todas as coisas. A nossa experiência nos diz que todo o
efeito tem uma causa, mas isso não quer dizer nada, muito menos que essa
regra não admita exceções. Pode ser que, em 999 trilhões, 999 bilhões,
999 milhões, 999 mil e 999 casos, tudo aquilo que acontece seja causado
por alguma coisa que aconteceu antes; mas, da quadrilionésima vez, pode
ser que algo aconteça sem ter sido causado por alguém ou por alguma
coisa anterior. Simplesmente, não dispomos ainda de dados suficientes
para comprová-lo.”
Parece ridículo, não é verdade? No entanto, o
ateu, para poder defender a coerência da sua posição, tem de negar a
evidência dos seus próprios sentidos; tem de negar o que se costuma
chamar de "princípio da causalidade", isto é, que todo efeito tem uma
causa. Tem de negá-lo, porque, nesse princípio, baseia-se um dos
principais argumentos para provar a existência de Deus. Há diversas maneiras de formulá-lo, mas nos basta apenas uma, que desenvolveremos a seguir.
Do nada, nada se cria. Se não tivermos alguma
coisa para começar, não chegaremos a produzir nada. Sem farinha, ovos e
açúcar não há bolo. Sem bolota não há carvalho. Sem pais, não há filhos.
Portanto, se não existisse um Ser Eterno (isto é, que nunca começou a
existir, porque a existência pertence à Sua própria natureza) e
Todo-Poderoso (isto é, capaz de produzir algo a partir do nada),
simplesmente não existiria mundo algum, não existiriam árvores nem
animais, nós não existiríamos.
Se não existisse esse Ser Eterno e Onipotente,
quem teria feito com que todas as coisas existissem? O carvalho procede
de uma bolota e esta procedeu de outro carvalho; mas quem fez a
primeira semente ou o primeiro carvalho? A criança nasce de seus pais,
que, por sua vez, nasceram dos pais deles; mas quem fez o primeiro homem
e a primeira mulher? E se o evolucionista nos objetar que tudo começou
com uma massa informe de átomos, poderemos perguntar-lhe por nossa vez:
“Está bem; mas quem fez essa primeira massa informe de átomos?”. É
necessário que tudo tenha começado a partir de Alguém que, desde toda a
eternidade, tenha existido independentemente de qualquer outra coisa. E
esse Alguém é precisamente Aquele a quem chamamos Deus.
Além
de ser eterno e todo poderoso, Deus também é onisciente. Podemos
sabê-lo por causa das inumeráveis provas de Sua inteligência, a qual
observamos no mundo que nos cerca. Sempre que observamos alguma coisa
planejada, temos a certeza de que houve alguém que a planejou; e
planejamento sempre significa inteligência.
Quando
Robinson Crusoé descobriu pegadas na areia da praia, compreendeu que não
estava só na sua ilha. Da mesma forma, quando nós descobrimos que algo
foi planejado, compreendemos que só pode haver um ser inteligente por
trás disso. Se um amigo nos mostrasse a sua televisão nova em folha e,
quando lhe perguntássemos onde a havia comprado, ele nos respondesse:
“Não a comprei; apenas desci à garagem, peguei numa lata de lixo com
restos de madeira e peças metálicas usadas, sacudi-a bem e, quando a
virei, tudo aquilo, ao cair, tomou a forma de uma televisão”, ou
pensaríamos que ele estava brincando conosco ou procuraríamos nos
despedir dele rapidamente, antes que a sua loucura mansa se
transformasse em loucura violenta. Sabemos muito bem que um aparelho tão
complicado como uma televisão não “acontece” sem mais nem menos.
Da
mesma forma, não é razoável supor que um mecanismo tão maravilhoso como
o olho humano simplesmente “tenha acontecido” - o olho, esse arranjo
delicado e intrincado de nervos e músculos, lente e retina, essa câmera
fotográfica em miniatura, tão perfeita que a ciência moderna não consegue reproduzi-la.
Também não faz sentido achar que a misteriosa interação entre a semente
e o solo se limite a “acontecer” - que esse minúsculo grão pardo
enterrado no chão passe a transformar os minerais do solo e o gás
carbônico do ar em amido e proteínas que servem ao consumo humano. E o
mesmo se dá com todos os outros milhões de milagres da criação, a não
ser que pretendamos renunciar para sempre a todas as regras da
evidência.
Leo J. Trese
A sabedoria do cristão, ed. Quadrante, São Paulo, 1992.
27/06/2012 - 08h00